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quinta-feira, 5 de março de 2009

Darwin pegou carona em tartaruga-gigante e puxou cauda de iguana

Quando o jovem cientista Charles Darwin desembarcou nas ilhas Galápagos, aos 26 anos, não fazia a menor ideia de que coletaria ali informações para embasar a "Origem das Espécies", teoria que transformou para sempre a maneira do homem ver o mundo. Se soubesse da importância de sua missão, Darwin talvez não tivesse "cavalgado" no casco de uma tartaruga-gigante. Nem puxado o rabo das iguanas da ilha.

Leia abaixo um breve relato da viagem --e das estripulias-- de Darwin nas ilhas Galápagos. O trecho abre a biografia ilustrada
"Charles Darwin - A Revolução da Evolução" (Companhia das Letras) e oferece um breve resumo de sua viagem (a jornada é descrita em muito mais detalhes ao longo do livro).


1. Pontos de partida

Em 15 de setembro de 1835 um pequeno navio chamado Beagle navegava em direção a um grupo de ilhas dispersas pelo oceano Pacífico na altura do Equador, a cerca de 960 quilômetros da costa ocidental da América do Sul. A bordo do Beagle, um jovem cientista, Charles Darwin, aguardava ansioso o primeiro vislumbre de terra. Mas, quando avistou a primeira ilha, decepcionou-se.

Divulgação
Capa da biografia ilustrada "Charles Darwin - A Revolução da Evolução"
Capa da biografia ilustrada "Charles Darwin - A Revolução da Evolução"

"Nada poderia ser menos convidativo do que esse primeiro relance", escreveu em seu diário. A paisagem, um fragmentado campo de lava negra, elevava-se formando picos enormes, gretados por abismos de fendas profundas. Um punhado de arbustos mirrados e sem folhas era o único sinal de vida.

Robert FitzRoy, o capitão do Beagle, comparou aquela ilha tórrida e erma ao inferno, e Darwin escreveu: "A superfície seca e crestada, aquecida pelo sol do meio-dia, deixava o ar abafado, opressivo como em um forno; tínhamos a impressão de que até os arbustos cheiravam mal". Essa foi a percepção inicial de Darwin sobre as ilhas Galápagos. À primeira vista desoladoras e áridas, essas ilhas teriam papel vital na obra de Darwin, uma obra que revolucionaria a compreensão humana da vida no planeta.

O governo britânico enviara o Beagle e sua tripulação em uma expedição que daria a volta ao mundo com a finalidade de aperfeiçoar as cartas de navegação usadas pela Marinha. Robert FitzRoy, o capitão do Beagle, fora incumbido de fazer o levantamento de inúmeras costas e baías, entre elas as das remotas e isoladas ilhas Galápagos. Mas um tipo diferente de levantamento das Galápagos, feito extra-oficialmente por Darwin, que tinha então 26 anos, viria a eclipsar todas as minuciosas mensurações de FitzRoy.

A paixão de Darwin era a história natural, o estudo da Terra e de todos os seres vivos que a habitavam. Enquanto FitzRoy e os outros oficiais mapearam diligentemente as Galápagos, Darwin estudou as plantas e os animais da ilha. Muitos dos espécimes que ele observou ou coletou eram novos para a ciência. De fato, a única criatura das Galápagos bem conhecida pelos naturalistas era a tartaruga-gigante.

Os navegadores espanhóis, no século XVI, batizaram essas ilhas inspirados naqueles animais enormes e lentos (galápago significa tartaruga, em espanhol), que foram depois levados, às dezenas de milhares, para alimentar tripulações de navios.

Mas os espanhóis também haviam dado outro nome às ilhas Galápagos. Eles a chamavam de Las Islas Encantadas, pois os marinheiros diziam que elas pareciam mover-se como por mágica. Darwin, jovem cientista, sabia que o "movimento" das ilhas Encantadas era uma ilusão causada pelas rápidas e fortes correntes marítimas que passavam entre as ilhas e dificultavam a aproximação das embarcações. No entanto, durante o mês que passou naquelas ilhas, ele se encantou com algo diferente.

A primeira ilha que Darwin explorou chamava-se Chatham, também conhecida como San Cristóbal. (Na época de Darwin, a maioria dos viajantes referia-se às ilhas pelos nomes ingleses. Atualmente são usados os nomes espanhóis.) Darwin desembarcou na ilha e anotou, incomodado, que o escabroso solo de lava escoriácea era tão quente que lhe queimava os pés apesar das botas.

Olhou em volta e constatou que o lugar não era tão deserto como parecera à distância. As águas costeiras estavam apinhadas de tubarões e outros peixes, como descobriram os marinheiros do Beagle ao lançar suas linhas de pesca. Em terra firme, nem todos os arbustos raquíticos eram desfolhados. Na verdade, alguns estavam floridos, só que suas folhas e flores eram muito menores do que todas as que Darwin já vira. Havia cactos esparsos, e alguns, de tão altos, ofereciam sombra contra o sol escaldante. O litoral, que parecera tão vazio visto do navio, crepitava e sibilava de vida. Enormes lagartos negros rastejavam pelas rochas, e no meio deles corriam pequenos caranguejos escarlate, procurando carrapatos para comer.

Darwin e seu assistente, Syms Covington, enveredaram pela ilha e logo depararam com uma trilha larga e muito batida que subia por uma elevação. Seguiram por essa trilha e não tardaram a descobrir quem a fizera: tartarugas, que de tanto ir e vir em seu andar modorrento entre o mar e um olho-d'água, haviam desbastado toda a vegetação do caminho.

Os viajantes encontraram duas grandes tartarugas que sibilaram ao vê-los. Eram tão enormes que Darwin e Covington juntos não conseguiram virá-las de costas. Darwin subiu em uma e pegou carona por alguns cambaleantes metros. A tartaruga não pareceu se importar com a presença dele e prosseguiu seu caminho, a uma velocidade que seu cavaleiro calculou ser de aproximadamente 6,4 quilômetros por dia, "descontando um tempinho para beber e comer durante a viagem", ele registrou em seu diário.

Darwin também descreveu o estranho efeito da visão daqueles "répteis imensos cercados por lava negra, pelos arbustos desfolhados e grandes cactos". Era como uma visão dos tempos primitivos, comentou.

Depois de passar quase uma semana em Chatham, o Beagle seguiu para as ilhas Charles, Albemarle e James, ou Santa María, Isabela e San Salvador, como hoje são chamadas. Cada ilha ofereceu a Darwin novos panoramas e experiências.

A ilha Charles era a única das Galápagos com habitantes humanos; várias centenas de condenados, a maioria prisioneiros políticos, haviam sido exilados ali pelo governo do Equador, que se considerava dono das ilhas. Quando subiu a encosta até a povoação dos condenados, Darwin constatou que o topo das elevações, por receber mais umidade das nuvens que passavam, era menos árido do que as áreas à beira-mar. Farto de cinza vulcânica e gravetos ressequidos, ele exultou com a visão de luxuriantes samambaias arbóreas e lodo fértil.

Darwin reconheceu de imediato que as ilhas haviam sido formadas por erupções vulcânicas. Na ilha Albemarle, viu "imensos transbordamentos de pura lava negra", que haviam escorrido dos vulcões como alcatrão de uma caldeira. O fogo que criara as ilhas ainda não se apagara, pois continuava a sair fumaça de uma cratera. O estudo mais minucioso de Darwin foi feito na ilha James, onde ele acampou por uma semana com Covington e vários marinheiros, explorando a ilha enquanto o Beagle ia abastecer seus barris de água em outra ilha.

Nesse período, Darwin estudou atentamente os grandes lagartos negros que povoavam aquele litoral. Esses animais, hoje conhecidos como iguanas-marinhos, são os únicos lagartos marinhos do mundo. Darwin observou-os mergulhar das rochas costeiras para alimentar-se de algas no mar, permanecendo submersos por vários minutos seguidos e emergindo depois para tomar sol em terra firme.

Seus primos, iguanas amarelos e marrons, eram grandes como os iguanas-marinhos e tinham comportamento quase tão singular quanto o deles. Subiam em cactos para comer as folhas mais suculentas e viviam no subsolo, em tocas que cavavam com suas garras compridas. Um dia, ao ver um desses iguanas semi-enterrado na toca, Darwin aproximou-se e puxou-lhe a cauda. O iguana "ficou espantadíssimo", anotou Darwin, e se virou para olhá-lo, como quem diz: "O que deu em você para puxar minha cauda?".

Curiosamente, todos os animais terrestres e aves das ilhas Galápagos não temiam os humanos. Darwin, que quando mais novo fora um entusiasmado caçador de aves, nunca vira criaturas tão mansas. As aves das ilhas Galápagos não fugiam assustadas quando ele se aproximava; ele chegou tão perto de um falcão que pôde enxotá-lo de um galho com o cano da espingarda.

Concluiu que as criaturas de lá não temiam os homens porque a maioria das ilhas não tinha habitantes humanos, apenas visitantes. Por isso, os animais terrestres e as aves ainda não haviam aprendido a sentir medo. Mas se os visitantes e os colonos adotassem a prática de matar animais, Darwin predisse, as futuras gerações da fauna de Galápagos adquiririam um temor instintivo dos humanos e se tornariam medrosas e ariscas como as aves e animais terrestres da Europa e da Ásia.

Durante toda a sua permanência nas ilhas Galápagos, Darwin coletou o maior número possível de amostras de animais terrestres, peixes, aves, insetos, plantas e conchas marinhas. Acondicionou-os cuidadosamente para remetê-los à Inglaterra, onde seriam estudados. À medida que coletava e embalava os espécimes, foi percebendo um fato espantoso: a maioria daquelas plantas e animais não existia em nenhum outro lugar do mundo; era exclusiva de Galápagos.

Fossem répteis, aves ou samambaias, Darwin encontrou ali uma porcentagem altíssima de espécies endêmicas, como se denominam os tipos de plantas e animais que vivem em um único local. Embora essas plantas e animais endêmicos fossem semelhantes a outros encontrados na América do Sul, havia diferenças sutis, mas importantes, que distinguiam as espécies das ilhas Galápagos. O arquipélago de Galápagos, Darwin concluiu, era "um universo em miniatura".

Darwin também se deu conta de outro fato curioso. Não só as espécies de plantas e animais de Galápagos diferiam das da América do Sul, a massa de terra mais próxima, mas também as plantas e animais de cada ilha diferiam das de todas as outras ilhas. Darwin foi informado sobre isso pela primeira vez quando o vice-governador do arquipélago contou-lhe que cada ilha possuía uma variedade única de tartaruga e que ele podia dizer de que ilha provinha uma tartaruga apenas olhando o formato e os padrões de seu casco.

Darwin anotou o comentário, mas não percebeu de imediato sua importância. Alguns anos depois, porém, reexaminaria sua coleção e veria que realmente as tartarugas diferiam de ilha para ilha. Essa observação ajudou-o a formar uma nova e ousada idéia sobre como surgiram as inúmeras espécies de plantas e animais da Terra. (...)

"Charles Darwin - A Revolução da Evolução"
Autor: Rebecca Stefoff
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 128
Quanto: R$ 31,00
Como comprar: pelo telefone 0800-140090

Fonte; folha de sao paulo online.

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